Ao entardecer os campos enchiam-se de neblina, o Pico ficava baço e monumental nas águas. Dos lados da estrada da Caldeira sentiu-se uma tropelada, depois pó e um cavaleiro no encalço de uma senhora a galope.
- Slowly! Let go him alone…
Os cavalos meteram a trote e puseram-se a par. O de Roberto Clark vinha suado, com um pouco de espuma na barriga e sinal de sangue num ilhal. O de Margarida, enxuto, meteu a passo.
- Ah, não posso mais…
-Aguenta -pediu Robert – eles não nos podem apanhar.
-Mas o teu cavalo está ferido! - disse a Margarida.
-Não importa. Preferes ser apanhada?
-Claro que não, mas não podemos deixar que ele morra.
-Ele não vai morrer, os cavalos são fortes. Confia em mim.
-Acredita que é muito difícil acreditar
Steven era o dono dos cavalos, ele tinha uma quinta, onde qualquer pessoa podia fazer equitação. Naquela tarde de Abril, teria organizado uma corrida de cavalos.
Margarida e Robert inscreveram-se, apenas para roubarem dois cavalos, os que Steven mais amava.
Robert era uma pessoa muito possessiva, ninguém podia tocar em nada que ele considerasse de valor para a sua vida. O problema foi que isso aconteceu. Steven e Robert eram os melhores amigos desde pequenos, foram criados juntos, conheciam-se um ao outro melhor do que ninguém. Até ao dia
2 Anos depois, pensando que Robert já se tinha esquecido da traição que lhe fora feita, Steven voltou para Portugal. O que ele não contava era que Robert ainda guardasse ressentimento. Decidiu falar com Robert para esclarecer as coisas, mas este não quis ouvir o que o seu amigo de longa data lhe queria dizer.
Quando Robert soube da corrida, decidiu passar-se por amigo do Steven, para que este o deixasse concorrer.
A conversa continuou:
-Não achas que devias acabar com esse ressentimento? - Perguntou Margarida ao irmão.
Margarida e Robert eram filhos de um homem Inglês e de uma mulher Portuguesa. Ambos sabiam falar as duas línguas.
-Como queres que esqueça? Ele roubou-me a pessoa mais importante da minha vida… – Robert foi interrompido por Margarida.
-Não! - Disse ela, confiante - ele não te roubou a Stephanie, porque a Stephanie não te pertencia, ela não era nenhum objecto e tu não podes tratá-la como se o fosse. E outra coisa. A Stephanie não era a pessoa mais importante da tua vida. Se isso fosse verdade, tu devias aceitar a opção dela. Devias ficar contente por ela estar feliz.
-Feliz??? Com o meu melhor amigo?
-Vês!!! Tu queres é vingar-te dela, não dele. Assumiste que ele era o teu melhor amigo. Isso…-olhou para o cavalo do irmão e…-não pode ser, olha o que fizemos?! Matamos o cavalo.
-Nãaaaaao! Isto não pode ser verdade. Ele só está a descansar.
-Como pode estar a descansar?! Ele já perdeu muito sangue e continua a perder. - Uma lágrima de tristeza escorreu-lhe pela cara. - Temos que o salvar.
-Mas como? O que devemos fazer? Eu não percebo nada de medicina.
-A culpa é tua!!! - Gritou Margarida. - A tua casmurrice matou-o.
-Não tive culpa. A maldita vedação é que o… Aliás ele não morreu, apenas está ferido.
-Já sei!!! Temos que chamar o Steven! De certeza que ele sabe o que devemos fazer numa altura destas. - disse Margarida um pouco mais animada.
-É que nem penses! Está fora de hipótese. - Protestou Robert.
-Porquê? Tens medo de admitir que não percebes nada de cavalos.
-Eu…hum…bom…Eu percebo, só nunca me interessei pela medicina. Como queres que saiba o que fazer?
-Pois eu, sei muito bem o que fazer. Vou telefonar ao Steven. - Disse margarida determinada - e escusas de me tentar convencer do contrário. Temos que assumir o nosso erro. Não podemos deixar que um cavalo morra por causa de uma briga parva.
-Tu é que sabes. Mas vais arrepender-te.
-Olha…está a chamar…só espero que ele atenda.
-Claro que não vai atender, ele deve andar muito ocupado a roubar namoradas dos amigos.
-Cala-te!
-Então Steven! Tudo bem? - perguntou Margarida, depois de Steven atender.
-Nem por isso dois dos meus cavalos desapareceram. Desculpa, mas tens que ser muito rápida.
-Pois… é mesmo sobre isso que eu quero falar…
-Tu sabes quem os roubou? Por favor diz-me.
-Bom…fui eu e o meu irmão, que roubamos os teus cavalos. Desculpa. Nós estamos muito arrependidos. Mas precisamos da tua ajuda. Um dos cavalos feriu-se ao saltar uma cerca.
-Mas…onde é que vocês estão? Eu vou aí ter convosco.
-Estamos perto da pista…olha...à beira da praia.
-Ok. Vou já para aí. Estou a caminho. Mas vão tapando a ferida com alguma coisa…sei lá…com uma camisola…Eu vou já para aí.
Margarida desligou o telefone.
-Então?! O que é que ele disse? -perguntou Robert, não muito interessado.
-Ele vem a caminho. Disse que tapássemos a ferida com alguma coisa. Tira o casaco.
Robert tirou o casaco.
-Pronto, agora só temos que esperar que ele chegue.
Os dois irmãos avistam Steven e Margarida vai ter com ele.
-Desculpa…agimos sem pensar…-pediu Margarida
-Onde é que ele está?
-Anda, eu levo-te até lá.
Steven vê o seu cavalo e começa a correr, quando lá chega ajoelha-se. Depois de algum tempo, Steven levanta-se, com uma lágrima no olho e lamenta:
-Infelizmente perdeu muito sangue. Não resistiu.
Aí, começa a chorar.
Robert, vendo que o seu amigo não está bem, corre para junto dele e abraça-o, sem preconceitos.
-Desculpa. -disse Robert, emocionado. - A culpa é toda minha, não fui capaz de encarar o que me fizeste e tentei atingir-te, roubando os cavalos que mais gostas. E agora, olha o que eu fiz, matei um deles. Eu sou um estúpido. Não mereço que me perdoes. - Robert parou por uns instantes e depois continuou – Não dizes nada?
-Que queres que eu diga? Estou sem palavras!!! Como havia de ficar chateado contigo? Tu és o meu melhor amigo, sempre foste. Tenho que aprender a perdoar. Não é?
-Pois…tens razão. Eu é que não fui capaz de o fazer.
-Não penses mais nisso. Já passou. Eu no teu lugar também tinha ficado chateado. Pronto, o que está feito, está feito, vamos mudar de assunto.
-Olha, só mais uma perguntinha, onde está a Stephanie?
-Pois…fugiu com um amigo meu.
-Agora percebo o tipo de pessoa que ela é. Só de pensar que ela ia estragando uma amizade tão longa.
-O que interessa é que já ultrapassamos isso.
-É pena que um cavalo, que não tinha culpa nenhuma tenha morrido por causa dela. - Lamentou o Robert. Uma lágrima saiu de um dos olhos dele e caiu na ferida do cavalo. Sem ninguém perceber, o cavalo levanta a cabeça, pisca o olho e volta a deitá-la. Ele sabia que um amigo de verdade perdoa sempre. A amizade deles salvou-o.
A amizade é o sentimento mais importante na nossa vida. Amores vão e voltam, mas os amigos nunca nos abandonam.